25
Dez 08

Num dia especial, um poema especial...

 

 

VERDE

 

O homem do povo descreveu as folhas como sendo verde-água.

Ao evocá-las no seu romance, o escritor as definiu verde-esmeralda.

Quando se fez o filme baseado naquela história, o realizador pediu

aos actores que apareciam debaixo da árvore

para que vestissem roupas a condizer com o verde-hawai das folhas.

Os trabalhadores que retiravam os cenários, mal-humorados

e sonolentos, viam-nas verde-escuro.

Já ninguém se lembra dela, mas a árvore permanece no seu sítio.

Viu engrossar a sua cortiça e cresceu alguns centímetros.

Presa sem mérito ao solo recebe agradecida a chuva, balança

com o temporal e dá sombra a quem se aproxima.

Não sabe que inspirou um livro ou que apareceu num filme.

Se fosse um homem diríamos que é dessa espécie de sábios

que ignoram os adjectivos que qualificam cada verde que vêem.

 

 

Rafael Camarasa, in El Sitio Justo/O sítio justo, edição bilingue. Obra vencedora do Prémio Palavra Ibérica. Tradução de Tiago Nené.

 

 

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 11:10
Canção:: The Songs I Didn’t Write - Creaky Boards
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03
Dez 08

Já aqui temos posto alguma poesia do premiadíssimo poeta espanhol, natural de Valência, Rafael Camarasa. Demos destaque anteriormente ao livro O Sítio Justo, obra vencedora do Prémio Internacional Palavra Ibérica em 2008. Desta feita pegámos no livro de poemas Cromos que saiu em Espanha em 2007, poemário que venceu o VI Premio Paiporta de Creación Poética.

 

 

MEDUSA

 

Senta-se à minha frente, escuta-me com atenção. Dá o seu assentimento ao que digo, ainda que não creia nas minhas palavras. O nadador que arruma a roupa, que ninguém diria que é mau tipo. Poderia interpretar todos os papéis, excepto o de personagem de si mesmo.

 

 

Rafael Camarasa Bravo

(tradução de Tiago Nené)

 

 

PS: para uma micronarrativa de Rafael Camarasa, do seu novo livro Feos, seguir para o Texto-al.

 

 

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 20:15
Canção:: Coldplay - Amsterdam
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17
Out 08

INSTINTO 

 

O meu animal não é diferente dos outros. Não entende causas nem razões. De leis físicas que explicam, por exemplo, o teu rebolar quando caminhas. Vê que as tuas ancas se movem e curioso gosta de ver se te afastas e te perdes feita pérola entre pedras. Agora deixa o novelo de vísceras, com o qual brincava no meu interior, e observa uma gota de chuva deslizando no vidro. Nem desconfia que há forças que o fazem seguir esse curso: ama a sua imprevisível constituição com o mesmo mistério com que a odiará. Uma noite destas pode deixar que faças com a sua pele uma bolsa. Contudo se lhe perguntares o motivo não saberia o que te rugir ou miar. Se pretende alguma coisa são os teus joelhos e o tacto dos teus dedos no seu dorso. E, como eu, lamber-te-á as feridas, ainda que não possa explicá-las.

 

 

 RESISTÊNCIA 

 

Telefonou para dizer que me envia um poema pelo correio. “Não interessa se o vais ler. É o de menos”, explica-me. “Imagina-o apenas na sua viagem selado por máquinas infalíveis; classificado por funcionários conforme procedimentos e normas. No fundo de um saco sujo, entre publicidade e facturas, seguindo os trâmites de um mundo que repele por natureza. Não é como um raio de sol na bruma de um romance das Brontë?”. Hoje recebi o envelope com a sua franquia regulamentar, e no interior uma pequena folha de papel dobrada pela metade. É certo que estava em branco e não havia poema algum, porém não posso afirmar que nele faltasse poesia.   

 

 

AGOSTO 

 

Hardy conduzia a mota. Laurel, atrás, olhava a costa. Uma gaivota rasou as suas cabeças e ambos se agacharam à vez. O gordo quando recorda aquele dia fala do perigo que espreitou. O magro do quão brancas eram as asas da gaivota. A máquina fez um par de ziguezagues e recuperou o equilibrio. Alguns ainda se perguntam como podem ser felizes juntos.  

 

 

Rafael Camarasa, in O Sítio Justo / El Sitio Justo - Obra vencedora do Prémio Palavra Ibérica 2008, tradução de Tiago Nené

 

 

 

postado pelo Casa dos Poetas às 19:53
Canção:: Cramberries - Ave Maria
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