28
Mai 09

Hugo Milhanas Machado é um caso de sucesso na poesia portuguesa contemporânea. Já passava das duas da manhã do dia vinte e cinco quando chegou à Casa dos Poetas, vindo directamente de Salamanca, onde reside Respondeu a algumas questões de Tiago Nené e desapareceu num poema. Nunca mais o vimos.

 

 

 

 

Tiago Nené - Como descreves a evolução entre Clave do Mundo e Mas que Hei-de?

 

Hugo Milhanas Machado - Retocam-se, sobretudo, determinados processos formais, muito concretamente no que respeita ao poema homónimo, Mas que hei-de.  Ao livro com este título, assiste, como sabes, o poema inicialmente incluído em Masquerade e depois revisto para Clave do Mundo (já então com o título actual): uma jornada de ensaio jazz, como apontou o Henrique Manuel Bento Fialho na única crítica ao livro de que tenho notícia, e que aproveito para agradecer. Apeteceu entretanto resolver a fonia que por ali andava (de “masquerade” a “mas que hei-de”) e então publicar uma versão definitiva e autónoma do texto – o que aliás corresponde ao plano inicial: as secções “Amurada” e “Os Grandes Guerreiros” juntaram-se a “Masquerade” em instância posterior, e assim ficaram. Dizer apenas que este Mas que hei-de está ainda por editar. Antes dele virá mesmo, já em Julho, Entre o Malandro e o Trágico, pela Sombra do Amor, integrando poemas que, na sua maioria, poderiam ter sido incluídos em Clave.

 

Cito a nota composta há mais de um ano para este Mas que hei-de, portanto inédita, em vista de alimentar algum eventual interesse genealógico:    

 

“Do poema agora publicado foram já impressas uma primeira versão, em Masquerade (2006), sob título homónimo, e uma segunda, no ano seguinte, incluída no poemário Clave do Mundo”.

 

“Este é o poema definitivo, desmanchada a palavra de que apenas tinha a melodia. Ainda que resista em pensá-lo como um quarto livro: se começou onde começou, se fecha aqui e assim. Canto de qualquer maneira, e acabo com um sentido, e isto é de Pessoa.”



 

TN - Costumam perguntar-me como concilio a advocacia com a poesia. No teu caso tens a docência de Literatura Portuguesa em Salamanca, o baixo eléctrico e a poesia. Como se administra tudo isso?

 

HMM - A obrigação docente impera, como está bem de ver, e devo dizer que com grande gosto. A obrigação de conviver criticamente com textos, se tensa, é também muito gratificante. E, sobretudo, o trabalho com os alunos. Mas a semana ainda é grande, e tende a sobejar um par de horas entre o jantar e a dormida, que normalmente dedico a leituras não-académicas e a escritura que toque. Por ora ando em Nuno Bragança e corrijo poemas de um conjunto intitulado Roupas Beras, que farei por publicar ainda este ano. Quando possível, então, um ou outro ensaio com o meu amigo Philip Jenkins – temos devagarinho uma banda, The Lisbons – e os treinos com a rapaziada do andebol. (Aproveito para confessar que muitos versos devo-os a uma ou outra impressão destes exercícios de movimento defensivo basculante, cruzamentos lateral/ponta, etc.)

 



TN - Qual a importância de teres ganho o Prémio José Luís Peixoto? Que te motiva nos prémios literários?

 

HMM - Terão a sua importância, mais ou menos significativa, mas a participação nestes prémios tenho-a, digamo-lo, como forma de partir pedra, como estímulo. Jogar textos, esperar reações e atritos, e, naturalmente, alguma eventual publicação. Mas o que realmente me interessa são os livros.  

 



TN - Como vês o panorama geral da poesia portuguesa, principalmente no que concerne aos novos autores?

 

HMM - Creio que ainda vamos gerindo a dificuldade de escrever à sombra de um século tão poderoso como o cessante – e basta atentar em discursos de alguma dessa nova poesia tão devedores de lições sobretudo sessentistas e setentistas para ver do vigor ainda em marcha. Julgo, no entanto, que no que respeita a novos autores  - a propostas inclinadas ao novo - se poderão identificar constelações muito interessantes, de certa forma consolidadas em si mesmas, em círculos como os de Faro, Lisboa-Santarém, e Porto, por exemplo. Faz falta uma geração de crítica que se volte para estas novas propostas – a bem dizer, que esta poesia se atice no discurso crítico e se escapem a certos modismos ou hypes mais ou menos consentidos. Há muito boa poesia por aí, e também uma crítica valente, ainda em formação. Menciono a título de exemplo a minha amiga Emília Pinto de Almeida, que sabe muitíssimo de poesia. 



TN - Haverá na realidade uma "novíssima poesia portuguesa". Como a descreves? Sentes-te parte dela?

 

HMM - Existem muitos novos poetas, grande parte deles publicados, muitos agregados também em torno de revistas e, claro, a imensidão de aventuras cibernéticas. Está bem de ver que a bitola de potência é ampla, mas creio que não me compete ajuizar sobre malta, muita dela, da minha idade. Tenho gostos, e, molhando o pé, devo dizer que tenho lido com especial interesse alguns poemas, por exemplo, da Ana Salomé, do Luís Filipe Cristóvão, do Rui Almeida...

 

Não creio, contudo, que seja apropriado sondar esta paisagem de autores em clave generacional, a não ser no que respeita a certas constelações a que atrás aludi, de certa forma identificadas com colectivos, editoras, revistas ou circuitos, e nesse sentido somos todos novos: a rapaziada da Criatura, do Texto-al - Grupo Literário do Algarve, do Sulscrito (muito bem inclinado à raia espanhola), ou, jogando para casa, na Cooperativa Literária.

 

O Henrique Manuel Bento Fialho dizia no texto que atrás mencionei que não me cabe “o estatuto de novíssimo”, e eu alinho. Estando igualmente algo distante do coração dos discursos legitimadores do “novíssimo”, não me cumpre mais que o compromisso íntimo depositado na palavra, como malha donde ver o mundo. 

 

A Casa dos Poetas 

 

 

Se gostou deste post, considere subscrever o nosso feed completo.

Ou entao subscreva a Casa dos Poetas por Email!

postado pelo Casa dos Poetas às 21:05
Canção:: Sweet Talk - The Killers
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa: ,

14
Nov 08

Rui Almeida, vencedor da primeira edição do Prémio Literário Manuel Alegre, organizado pela Câmara Municipal de Águeda, sua terra natal, chegou à Casa dos Poetas na tarde de ontem e respondeu a algumas questões. Aqui publicamos o que resultou desta nossa conversa e, no final, um poema do autor.

 

 

"Lábio cortado" é o nome da obra vencedora do Prémio Manuel Alegre. Como o descreveria?

 

Não sei se fará muito sentido descrever um livro, muito menos sendo o autor. Resumindo: trata-se de uma série de poemas q foram ganhando uma certa unidade enquanto conjunto.

 

 

Manuel Alegre é um poeta que faz parte das suas influências? quais são as influências, em termos de autores, mais visíveis nesta obra?

 

Sou um leitor de poesia. Aliás, vejo-me muito mais como leitor do que como autor. Gosto da poesia de Manuel Alegre e certamente q isso me influenciará. Não sei explicar, nem sequer elencar nomes.

 

 

Já existe alguma informação sobre a publicação do livro? (datas, editora, etc)

 

Acerca disso ainda não sei nada. Mas gostava de ver o livro publicado, obviamente.

 

 

O que é para si a "novíssima poesia portuguesa"? sente-se integrado nela?

 

Essas questões geracionais acabam sempre por provocar discussões acaloradas e, a meu ver, estéreis, pelo menos a quanto a um certo tom que se tem usado.

O facto de se viver num mesmo tempo, num mesmo contexto, faz com q se tenha, certamente, muitos pontos de contacto, mas depois há a criatividade e o ser único de cada um. As pessoas encontrar-se-ão em grupos conforme as afinidades que forem encontrando e se assim o quiserem.

Como disse... eu sinto-me, acima de tudo, um leitor, e ainda é estranho estar a ver-me integrado no que quer que seja.  Tenho amigos - uns escrevem poesia, outros não - alguns nem querem saber dela para nada. Eu sou dos meus amigos, é nesse grupo que me enquadro. Tenho feito Amigos por causa da poesia, mas isso não tem a ver com grupos ou gerações. Como digo no poema que aprendi com o Henrique Fialho: "Porque só as pessoas se amam, / Não a corrosão dos sintagmas ou as vírgulas, / Nunca o prestígio, a ilusão da cor do nome / Ou a sucessão de submissões"

 

Tem projectos para o futuro no campo literário?

 

Bem... o projecto é viver, é daí q nasce isso do "literário".

 

 

 

HENRY MOORE

 

I.

 

Toco a minha rótula com os dedos

e desejo que tudo o que existe me obedeça,

que a pedra se ajeite ao tacto e à ternura,

que um abraço seja água em forma de concha.

 

II.

 

Toco o crânio de um pássaro, o seu bico,

pontiagudo e maciço em harmonia

com a rudeza da corda. O seio, as ancas,

a criança inteira nas mãos da mãe.

 

III.

 

Vários corpos simultâneos se tocam,

se antevêem ruínas, se libertam.

Um corpo dúctil e amplo reclinado

quando a sede cresce da postura redonda.

 

 

In Lábio Cortado, de Rui Almeida (ainda não editado em livro)

postado pelo Casa dos Poetas às 10:00
Canção:: coldplay - gravity
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa: ,

PARCEIROS
pesquisar neste blog
 
Membros no activo
Ana Luísa Silva / Joana Simões / Ana Coreto / José Eduardo Antunes / Tiago Nené
arquivos
Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

links
blogs SAPO