Casa
A luz de carbureto
que ferve no gasómetro do pátio
e envolve este soneto
num cheiro de laranjas com sulfato
(as asas pantanosas dos insectos
reflectidas nos olhos, no olfacto,
a febre a consumir o meu retrato,
a ameaçar os tectos
da casa que também adoecia
ao contágio da lama
e enfim morria numa cama)
a pedregosa luz da poesia
que reconstrói a casa, chama a chama.
in Trabalho Poético
Insónia
Penso que sonho. Se é dia, a luz não chega para alumiar o caminho pedregoso; se é noite, as estrelas derramam uma claridade desabitual.
Caminhamos e parece tudo morto: o tempo, ou se cansou já desta caminhada e adormeceu, ou morreu também. Esqueci a fisionomia da paisagem e apenas vejo um trémulo ondular de deserto, a silhueta carnuda e torcida dos cactos, as pedras ásperas da estrada.
Chove? Qualquer coisa como isso. E caminhando sempre, há em redor de nós a terra cheia de silêncio.
Será da própria condição das coisas serem silenciosas agora?
in Terras da harmonia
Carlos de Oliveira (1921 - 1981)