DESCRIÇÃO DA MENTIRA
Que verdade existe no ventre das pombas?
A verdade está na língua ou no ventre dos espelhos?
A verdade é o que responde às perguntas dos príncipes?
Qual é então a resposta à pergunta dos oleiros?
Se levantares uma túnica encontrarás um corpo mas não uma pergunta:
para quê as palavras enxutas em cíngulos ou as construídas em esquinas imóveis,
as convertidas em lâminas e, em seguida, despojadas e ávidas?
Ou melhor: alguma vez fui cínico como asfalto ou pelame?
Não se trata disso, apenas que o asfalto possuía a minha memória e as minhas exclamações relatavam a perdição e a inimizade.
A nossa sorte é difícil reclusa na beladona e nos recipientes que não devem ser abertos.
Sujo, sujo é o mundo, porém respira. E tu entras no quarto como um animal resplandecente.
Depois do conhecimento e do esquecimento que paixão me concerne?
Não hei-de responder mas sim reunir-me com tudo o que está oferecido nos átrios e na distribuição dos resíduos,
com tudo o que treme e é amarelo debaixo da noite.
Antonio Gamoneda,
In Descrição da Mentira
Quasi
Prémio Cervantes, 2006
tradução de Vasco Gato
Se gostou deste post, considere subscrever o nosso feed completo.
Ou entao subscreva a Casa dos Poetas por Email!