30
Nov 08

PASSAREI PELA PRAÇA DE ESPANHA

 

O céu estará límpido.

As ruas abrir-se-ão

na colina de pinheiros e de pedra.

O tumulto das ruas

não mudará esse ar parado.

As flores das fontes

salpicadas de cores

abrirão os olhos como mulheres

divertidas. As escadas

os terraços as andorinhas

cantarão ao sol.

Abrir-se-á aquela rua,

as pedras cantarão,

o coração baterá em sobressalto

como a água nas fontes -

será esta a voz

que subirá as tuas escadas.

As janelas saberão

o odor da pedra e do ar

matinal. Abrir-se-á uma porta.

O tumulto das ruas

será o tumulto do coração

na luz extraviada.

 

Serás tu - quieta e clara.

 

 

MITO

 

Virá o dia em que o jovem deus será um homem,
sem sofrimento, com o morto sorriso do homem
que compreendeu. Também o sol se move longínquo
avermelhando as praias. Virá o dia em que o deus
já não saberá onde eram as praias de outrora.

Acorda-se uma manhã em que o Verão morreu,
e nos olhos tumultuam ainda esplendores
como ontem e no ouvido os fragores do sol
feito sangue. A cor do mundo mudou.
A montanha já não toca o céu; as nuvens
já não se amontoam como frutos; na água
já não transparece um seixo. O corpo dum homem
curva-se pensativo onde um deus respirava.

O grande sol acabou, e o cheiro da terra
e a rua livre, colorida de gente
que ignorava a morte. Não se morre de Verão.
Se alguém desaparecia, havia o jovem deus
que vivia por todos e ignorava a morte.
Nele a tristeza era uma sombra de nuvens.
O seu passo pasmava a terra.

                                        Agora pesa
o cansaço sobre todos os membros do homem,
sem sofrimento: o calmo cansaço da madrugada
que abre um dia de chuva. As praias sombreadas
não conhecem o jovem a quem outrora bastava
que as olhasse. Nem o mar do ar revive
na respiração. Cerram-se os lábios do homem
resignados, para sorrir frente à terra.

 

 

Cesare Pavese foi um grande poeta italiano. Nasceu em 1908 em Santo Stefano Belbo e morreu em 1950 na cidade de Turim.

 

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 11:30
Canção:: Oasis - I'm outta time
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa: , ,

29
Nov 08

CRIANÇA COM LÍNGUA DE FORA

 

Este sou eu.

Venho para desafiar as leis dos homens

E dos animais.

Guardo da infância diálogos inacabados.

Imagens que se apagam na observação do que serei.

Estas são as minhas máscaras:

Apago o rosto e esqueço o corpo.

A infância é um animal de estimação.

Um animal que cresce comigo na incerteza e no medo.

Uma imagem sem fim: o medo.

A mutilação dos corpos é uma vingança.

São brincadeiras humanas à beira da destruição.

O meu pensamento animal

por tudo o que é humano.

 

Inédito

 

 

CHET BAKER CONSEGUE MOSTRAR O PIOR DA FELICIDADE

Chet baker consegue mostrar o pior da felicidade

Um som que se agita no fundo da alma

E faz vir à superfície as borras do prazer.

A arte não pode respeitar o erro.

Temos como refeição uma música honesta.

Leio sobre as grandes obras marítimas

As incrustações de vida nas pedras.

Eu sei que nenhuma informação ajuda

A digerir este itinerário musical.

O ensaio tem um tempero enciclopédico.

Chet baker funde todas as lâmpadas do prazer.

Resta-me obstruir a minha função visual.

 

in Ensaio entre portas

  

Fernando Esteves Pinto

 

Fernando Esteves Pinto nasceu em Cascais em 1961. Colaborou no DN Jovem e no Jornal de Letras. Em 1990 recebeu o Prémio Inasset Revelação de Poesia do Centro Nacional de Cultura. É publicado em Portugal e Espanha por revistas literárias e editores independentes. Em 1998 obteve uma bolsa de criação literária pelo Ministério da Cultura/Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. Está representado na Antologia DN Jovem, 1990; Antologia "A cidade e o Mar na Poesia do Algarve", 2006; Antologia "Poema Poema" de poesia portuguesa actual. Edição bilingue. Punta Umbria, 2006. É o fundador do Sulscrito, círculo literário do Algarve e no seio deste grupo gerou alguns projectos com particular destaque para a Colecção de Poesia Palavra Ibérica e para o Prémio Internacional Palavra Ibérica. Em 2008 torna-se editor e, conjuntamente com Vítor Cardeira, funda a editora 4 Águas, publicando autores algarvios como Pedro Afonso, Fernando Cabrita e Casimiro de Brito. Escreve no blogue Escrita Ibérica.

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 15:00
Canção:: Chet Baker- That old feeling
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa: ,

28
Nov 08

AMOR É SÍNTESE

 

Por favor não me analise,

Não fique procurando cada ponto fraco meu,

Se ninguém resiste a uma análise profunda,

Quanto mais eu

Ciumento, exigente, inseguro, carente,

Todo cheio de marcas que a vida deixou.

Vejo em cada grito de exigência

Um pedido de carência, um pedido de amor.

Amor é síntese,

É uma integração de dados,

Não há que tirar nem pôr.

Não me corte em fatias,

Ninguém consegue abraçar um pedaço,

Me envolva todo em seus braços

E eu serei perfeito, amor.

 

 

Mário Quintana foi um grande poeta brasileiro, nascido em Alegrete. Com um estilo sarcástico e sabendo como poucos usar o humor na poesia, é conhecido como o poeta das coisas simples.

 

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 22:00
sinto-me: TRISTE
Canção:: Delfins - Haja o que houver
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa:

Em silêncio

 

para dizer

que o céu é azul

que os corpos se movem no espaço

que doce é a tua boca

e amargo o teu desprezo

 

para dizer tudo isto

bastam-me os sentidos

 

as palavras

não dizem o mundo

 

dizem o desejo

de dizer o mundo

 

 

(poema inédito)

 

Luís Ene é romancista, contista, micronarrador e poeta.

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 20:30
Canção:: Richard Hawley - The Ocean
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OMNIUM SANCTORUM

 

Por vezes, as sombras jorram-me dos ouvidos

E inundam-me a face, escalpelada, sem máscaras

Que a protejam da chaga interior.

O véu de Maria Madalena encobre-me o coração

Como tempestades num mar encarcerado.

 

Depois, guindastes de céus estranhos elevam-se

Das trevas, são curto-circuitos no vazio.

 

 

RITMO COMPULSIVO

 

Um tremor de terra

nos ouvidos,

o seu ritmo tarso

na pele que se eriça,

o gesto que me faz ser

no meio dos cacos

 

Rostos

rostos obscuros

que se desfazem,

à minha volta,

contra os muros gelados

das facas no peito

 

O corpo esquartejado,

à beira da praia,

uma armadura de vazio,

o mundo lá dentro

como um mapa de caranguejos

ou bocas que expelem fogo

 

Saliva em brasa

 

Lagos gelados

quebrando-se sob o peso

da obsessão

do explorador nocturno,

 

na ânsia da bússola acesa,

no seu desvario,

no eritema da máscara

 

ARTE POÉTICA

 

Nos bosques das

madrugadas do verão

colhes nevoeiros

É que o poema também

precisa disso

para que o verso

tenha dureza e elasticidade

 

Depois, retesas o arco

e o horizonte vibra em

suas etéreas arcadas

A liberdade é agora uma

antiga praça

Ao centro, um fontanário

e sorridentes crianças

 

 

Luís Costa é um poeta que muito apreciamos. Aconselhamos vivamente uma visita ao seu reino da criatividade.

 

 

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 15:00
Canção:: The Script - The Man Who Can't Be Moved
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa:

Tristeza vai-te embora

Tristeza

pequena morte.

Chega a noite, vai-se o dia

e assim há-de desaparecer este pobre diabo

que eu sou

com calças rotas

camisola cosida.

Esperavas um milagre nesta noite de Natal?

A camisola não recebeste

as calças não tas deram.

Bem feito

Para não acreditares em anjos.

 

Mário, 1960  - in ”A Criança e a vida”, antologia de textos infantis, por Maria Rosa Colaço, Edições ITAU-1970

 

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 09:01
Canção:: beatles - black bird
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27
Nov 08

PORTUGAL CONTEMPORÂNEO

 

no outro dia fechou a byblos,

quem diria,

e aquela coisa do bcp

e mais a detenção do homem,

quem diria,

e o outro que foi à tv

e não ao parlamento,

quem diria,

e a selecção nacional

e o cristiano ronaldo, quem diria,

é ele o melhor do mundo?

e aquilo do tony, mas antes aquilo do batman - mas isso

não foi cá, não mistures -

cá foi a casa pia em tribunal e que durou

quatro anos, e as alegações

do procurador um dia e meio,

quem diria,

e o desemprego,

e a crise

e o aval do estado,

quem diria,

sim

quem diria?

quem diria, you know?

quem diria?

 

 

Miguel de Freitas

in Livro Inédito

 

 

 

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postado pelo Casa dos Poetas às 18:33
Canção:: Pedro Abrunhosa - Tudo o que eu te dou
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