31
Out 08

Mais uma surpresa boa a coroar o nosso trabalho na casa dos poetas. Deste vez é o Jornal de Negócios que sugere aos seus leitores o nosso blogue. É uma honra e um orgulho recebermos estas menções (a segunda este mês, uma vez que fomos blogue em  destaque do Sapo).

postado pelo Casa dos Poetas às 23:27

O tamanho impensável das flores

 

O tamanho impensável das flores

Prende-me ao chão

 

E não serve de nada encontrar um lugar

Onde possa ser outra coisa qualquer.

 

 

Existimos de forma concisa

 

Num gomo de laranja, no feixe

De luz oblíquo ao parapeito da janela,

Nas superfícies das paredes que sobem

Até ao tecto da casa, no vidro outrora

E na gota de chuva e quando cessa a chuva

No troar das andorinhas, existimos de forma

Concisa

 

Não tendo o mundo outra forma de existir.

 


poemas retirados de Poema Poema, antologia de poesia portuguesa actual (Aullido Revista 15 - punta umbría - huelva - 2006)

 

 

Sandra Costa nasceu em S. Mamede de Coronado, concelho da Trofa, em 1971. Licenciada em História, é professora do ensino básico e secundário. O seu primeiro livro, publicado em 2002, foi Sob a luz do mar, Campo das Letras. Seguiram-se Nada se sabe das profundezas, In-libris, 2003 e Nenhuma Flor. Oito imagens e o dizer dos lábios, Belgais e In-libris, 2004. Está representada em algumas antologias. (in Insónia)

postado pelo Casa dos Poetas às 12:45
Canção:: Paolo Nutini - Rewind
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa:

Desejo

 

 

Queria ser essa noite que te envolve; e

cobrir-te com o peso obscuro dos braços

que não se vêem. Um murmúrio

desceria de uma vegetação de palavras,

enrolando-se nos teus cabelos como

secretas folhas de hera num horizonte

de pálpebras. Deixarias que te olhasse

o fundo dos olhos, onde brilha

a imagem do amor.E sinto os teus dedos

soltarem-se da sombra, pedindo

o silêncio que antecede a madrugada.

 

 

Nuno Júdice é um poeta português, natural de Mexilhoeira Grande, localidade próxima de Portimão. Tem-se destacado na poesia, apesar de ter escrito alguma ficção. É professor universitário na Universidade Nova de Lisboa. Este poema integra o livro O Estado dos Campos, publicado pela Dom Quixote.

 

postado pelo Casa dos Poetas às 00:50
Canção:: Little Things - Good Charlette
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa: , ,

30
Out 08

 

achámos preferível não editar o português brasileiro neste poema.

 

 

Retrato quase apagado em que se pode ver perfeitamente nada

 

I

 

Não tenho bens de acontecimentos.

O que não sei fazer desconto nas palavras.

Entesouro frases. Por exemplo:

- Imagens são palavras que nos faltaram.

- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.

- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.

Ai frases de pensar!

Pensar é uma pedreira. Estou sendo.

Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)

Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos,

retratos.

Outras de palavras.

Poetas e tontos se compõem com palavras.

 

II

 

Todos os caminhos - nenhum caminho

Muitos caminhos - nenhum caminho

Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

 

III

 

Chove torto no vão das árvores.

Chove nos pássaros e nas pedras.

O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.

Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.

Crianças fugindo das águas

Se esconderam na casa.

Baratas passeiam nas formas de bolo...

A casa tem um dono em letras.

Agora ele está pensando -

no silêncio líquido

com que as águas escurecem as pedras...

Um tordo avisou que é março.

 

IV

 

Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.

Ela pode ser o germe de uma apagada existência.

Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.

Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao

fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.

Andei nas pedras negras de Alfama.

Errante e preso por uma fonte recôndita.

Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!

 

V

 

Escrever nem uma coisa Nem outra -

A fim de dizer todas

Ou, pelo menos, nenhumas.

Assim,

Ao poeta faz bem

Desexplicar -

Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

 

VI

 

No que o homem se torne coisal,

corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.

Um subtexto se aloja.

Instala-se uma agramaticalidade quase insana, que empoema o sentido das palavras.

Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas

Coisa tão velha como andar a pé

Esses vareios do dizer.

 

VII

 

O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.

Há que se dar um gosto incasto aos termos.

Haver com eles um relacionamento voluptuoso.

Talvez corrompê-los até a quimera.

Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.

Não existir mais rei nem regências.

Uma certa luxúria com a liberdade convém.

 

VIII

 

Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,

Ovídio mostra seres humanos transformados em pedras vegetais bichos coisas

Um novo estágio seria que os entes já transformados

falassem um dialeto coisal, larval,

pedral, etc.

Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural -

Que os poetas aprenderiam - desde que voltassem às crianças que foram

As rãs que foram

As pedras que foram.

Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar

a língua.

Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?

Seria uma demência peregrina.

 

IX

 

Eu sou o medo da lucidez

Choveu na palavra onde eu estava.

Eu via a natureza como quem a veste.

Eu me fechava com espumas.

Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.

Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.

Nem era muito que eu me arrumasse por versos.

Aquele arame do horizonte

Que separava o morro do céu estava rubro.

Um rengo estacionou entre duas frases.

Uma descor

Quase uma ilação do branco.

Tinha um palor atormentado a hora.

O pato dejetava liquidamente ali.

 

 

Manoel de Barros, in o Guardador das Águas

 

postado pelo Casa dos Poetas às 13:12
Canção:: Clã - Sexto andar
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa: , ,

29
Out 08

Tele-escola

 

Se o tino não me falha

já tinha aprendido a ler-me,

desenhei de um trago as curvas do mundo,

com as aparas do carvão

fiz povos às cores,....

 

gente que olhasse o passado com ar frívolo,

desnudando mulheres pela maldade de o fazer,

e esperar em troca o declínio das estações,

e o benfazer das rugas traçadas a sangue,....

 

todos os dias me faço mal,

habito em oceanos de aldeias desertas,

e continuo sem entender,

se a terra tem alma,...

 

ou se sou eu o mapa-mundo dos equívocos....

 

 

Miguel Curado.

Este poeta é autor do blogue Inatingível

postado pelo Casa dos Poetas às 20:43
Canção:: Rui Veloso - Cavaleiro Andante
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa:

quebra-se
o ritmo
ao corpo.

a morte

acosta
ao seu
porto.

 

 

Eduardo Roseira, autor dos livros A colheita íntima e O sorriso de Deus

postado pelo Casa dos Poetas às 20:35
Canção:: Kat Deluna - in the end
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa: ,

Não, a serpente não

Seduziu Eva com a maçã.

Tudo isso é simplesmente

Corrupção dos factos.

 

Adão comeu a maçã.

Eva comeu Adão.

A serpente comeu Eva.

É este o escuro intestino.

 

A serpente, entretanto,

Digere a refeição no paraíso –

Sorrindo ao ouvir

Deus rezingão a chamar.

 

 

 

Edward James Hughes, conhecido por Ted Hughes foi um pota inglês (1930 – 1998) e considerado um dos maiores poetas da sua geração. Foi casado com a poeta americana Sylvia Plath e acusado por alguma crítica feminista de a ter assassinado, apesar das provas evidentes de que esta terá cometido suicídio. Este poema tem tradução de Manuel de Seabra, encontrado na Antologia de poesia britânica contemporânea (livros horizonte, 1982)

postado pelo Casa dos Poetas às 15:00
Canção:: The Clash - Rock the Kasbah
Poesia e Alguns dos Poetas da Casa: ,

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