Rui Almeida, vencedor da primeira edição do Prémio Literário Manuel Alegre, organizado pela Câmara Municipal de Águeda, sua terra natal, chegou à Casa dos Poetas na tarde de ontem e respondeu a algumas questões. Aqui publicamos o que resultou desta nossa conversa e, no final, um poema do autor.
"Lábio cortado" é o nome da obra vencedora do Prémio Manuel Alegre. Como o descreveria?
Não sei se fará muito sentido descrever um livro, muito menos sendo o autor. Resumindo: trata-se de uma série de poemas q foram ganhando uma certa unidade enquanto conjunto.
Manuel Alegre é um poeta que faz parte das suas influências? quais são as influências, em termos de autores, mais visíveis nesta obra?
Sou um leitor de poesia. Aliás, vejo-me muito mais como leitor do que como autor. Gosto da poesia de Manuel Alegre e certamente q isso me influenciará. Não sei explicar, nem sequer elencar nomes.
Já existe alguma informação sobre a publicação do livro? (datas, editora, etc)
Acerca disso ainda não sei nada. Mas gostava de ver o livro publicado, obviamente.
O que é para si a "novíssima poesia portuguesa"? sente-se integrado nela?
Essas questões geracionais acabam sempre por provocar discussões acaloradas e, a meu ver, estéreis, pelo menos a quanto a um certo tom que se tem usado.
O facto de se viver num mesmo tempo, num mesmo contexto, faz com q se tenha, certamente, muitos pontos de contacto, mas depois há a criatividade e o ser único de cada um. As pessoas encontrar-se-ão em grupos conforme as afinidades que forem encontrando e se assim o quiserem.
Como disse... eu sinto-me, acima de tudo, um leitor, e ainda é estranho estar a ver-me integrado no que quer que seja. Tenho amigos - uns escrevem poesia, outros não - alguns nem querem saber dela para nada. Eu sou dos meus amigos, é nesse grupo que me enquadro. Tenho feito Amigos por causa da poesia, mas isso não tem a ver com grupos ou gerações. Como digo no poema que aprendi com o Henrique Fialho: "Porque só as pessoas se amam, / Não a corrosão dos sintagmas ou as vírgulas, / Nunca o prestígio, a ilusão da cor do nome / Ou a sucessão de submissões"
Tem projectos para o futuro no campo literário?
Bem... o projecto é viver, é daí q nasce isso do "literário".
HENRY MOORE
I.
Toco a minha rótula com os dedos
e desejo que tudo o que existe me obedeça,
que a pedra se ajeite ao tacto e à ternura,
que um abraço seja água em forma de concha.
II.
Toco o crânio de um pássaro, o seu bico,
pontiagudo e maciço em harmonia
com a rudeza da corda. O seio, as ancas,
a criança inteira nas mãos da mãe.
III.
Vários corpos simultâneos se tocam,
se antevêem ruínas, se libertam.
Um corpo dúctil e amplo reclinado
quando a sede cresce da postura redonda.
In Lábio Cortado, de Rui Almeida (ainda não editado em livro)